A obra "As Vinhas da Ira" (The Grapes of Wrath no original) que John Ernst Steinbeck publicou em 1939 é um retrato fiel da devastação capitalista que se apropriou do fruto do trabalho de milhares e milhares de trabalhadores rurais, rendeiros e meeiros norte-americanos e os forçou a migrar para a Califórnia, onde continuaram a ser explorados, a viver em condições sub-humanas e a ser ameaçados por grupos fascistas. Pela sua actualidade, recomendo a leitura do clássico, embora esta não seja a obra de John Steinbeck que mais me marcou.
As circunstâncias da vida fizeram com que o romance “Cannery Row” de 1945 (que na edição portuguesa recebeu o infeliz título de “Bairro da Lata”) fosse a obra de Steinbeck de que mais gostei. Muitas vezes fui conhecer lugares depois de ler as descrições feitas por escritores, mas no caso da Cannery Row em Monterey, a antiga Ocean View Avenue rebaptizada depois do sucesso do livro, aconteceu o contrário. Conheci primeiro o local e depois li o livro. E o que é certo é que, talvez por nele ter identificado imagens, pessoas, sons e cheiros que fixei numa fase muito rica da vida quando, há mais de quarenta anos, vivemos em Monterey, “Cannery Row” passou a ser um dos meus livros preferidos.
“Cannery Row” foi escrito para os jovens norte-americanos que faziam a guerra sem nunca falar dela. Fala dos habitantes de um bairro de Monterey que como o próprio Steinbeck escreveu “alguém disse serem 'prostitutas, chulos, batoteiros e filhos da mãe,' o que significava toda a gente. Tivesse espreitado por outra frincha e talvez dissesse, 'santos e anjos e mártires e homens santos,' e significaria a mesma coisa."
Mas “Cannery Row” poderia ter sido escrito para muitos jovens portugueses da minha geração, tivesse Steinbeck nascido noutra época e noutro continente. Por exemplo, o parágrafo sobre o papel do Ford T na formação de gerações norte-americanas poderia ter sido escrito sobre o papel dos Minis na minha geração: "Someone should write an erudite essay on the moral, physical, and esthetic effect of the Model T Ford on the American nation. Two generations of Americans knew more about the Ford coil than the clitoris, about the planetary system of gears than the solar system of stars. With the Model T, part of the concept of private property disappeared. Pliers ceased to be privately owned and a tyre-pump belonged to the last man who had picked it up. Most of the babies of the period were conceived in Model T Fords and not a few were born in them. The theory of the Anglo- Saxon home became so warped that it never quite recovered."
E o “Cannery Row” poderia ter sido escrito para os jovens da minha geração que também fizeram a guerra e, dependendo da perspectiva, eram chulos e batoteiros, santos e mártires, filhos da mãe e homens bons, todos com histórias de sobrevivência semelhantes às das personagens de Steinbeck. Eram jovens que por educação e tal como os das gerações contemporâneas do modelo T da Ford, sabiam mais sobre a bobine e o carburador dos Mini do que sobre o clitóris ou o sistema solar.
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