quinta-feira, 19 de março de 2020

O meu Pai



O meu Pai era reconhecido mundialmente como um dos maiores cientistas no melhoramento genético do cafeeiro. Era convidado para trabalhar em Angola, no Brasil, na Venezuela, na Colômbia, no México, na Guatemala, na Nicarágua, nas Honduras, na Costa Rica, no Panamá, na República Dominicana, onde criava estações experimentais, ensinava nas universidades, apoiava centros de investigação.

Seleccionava, por cruzamento em ambiente controlado de plantas de diversas origens, espécies de cafeeiros resistentes à ferrugem, a "Hemileia vastatrix", uma doença devastadora que causa a perda de plantações inteiras. Uma vez seleccionadas, as espécies resistentes eram testadas em estações experimentais e se demonstrassem ter qualidades produtivas adequadas, eram distribuídas aos agricultores.
Não conheço os detalhes de todas as suas andanças pelo mundo mas há dois anos, a minha prima Tania, que andou por Timor-Leste, disse-me que tinha de acrescentar aquele país à minha lista e contou-me esta história:

Faz uns 5 anos... trabalhava num projecto com uma senhora timorense... A Néné... Maria Alves e depois de ganhar confiança... um dia perguntou-me meio embaraçada se eu tinha alguma coisa que ver com o Eng. Bettencourt que tinha estado em Timor-Leste a trabalhar na área do café em Aileu e Ermera... como imaginas para mim não era surpresa ... surpresa foi saber que uma senhora que na altura teria 8 anos... ainda se lembrava do teu Pai... o Pai dela tinha trabalhado com o teu.

Para mim não foi surpresa. O outro sempre esteve no centro das preocupações do meu Pai.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Sardinhada em Monterey



Estes marinheiros, dois Jorge de sua graça, moravam em Monterey, num bairro de americanos bem-comportados. Os vizinhos eram muito simpáticos, convidavam, a eles e às famílias, para os regulares BBQ onde degustavam os tradicionais burgers, bebiam coke, jogavam soccer e eram todos felizes.

Só que o Carlos Jorge, setubalense de gema, não aguentava as saudades de uma sardinhada. O Jorge moçambicano era mais caril de marisco, mas o Carlos não resistiu. Um dia foram a San Jose e trouxeram um carregamento de sardinhas congeladas, naturalmente de Peniche. O Carlos montou o fogareiro e preparou tudo para a grande sardinhada.

Reza a história que os vizinhos, embora convidados para a festa, assim que sentiram os primeiros odores da preparação, trancaram-se em casa e só mostraram as caras zangadas através das janelas fechadas. Alguns ainda se aproximaram do pátio do Carlos para apresentarem a devida reclamação mas não resistiram à prova. E o Carlos, de tão concentrado que estava na função, como a imagem demonstra, não lhes deu atenção.

Uns tempos depois, durante a crise dos reféns na embaixada americana no Irão, os dois marinheiros passeavam na baixa de Monterey e foram confundidos com iranianos. Responderam naturalmente com uns palavrões ao convite de um grupo de americanos loiros para que regressassem à sua terra.

Mas apreciado o episódio a esta distância, os locais tinham razão: o imaculado ambiente da Califórnia não podia ser poluído por gente que fazia sardinhadas no pátio de casa.