O jornal i noticiava ontem que terá desaparecido um exemplar raro de "Os Lusíadas", avaliado em 100 mil euros, da biblioteca do Ateneu Comercial de Lisboa, mas em Março o JN escrevia que a Livraria Lello teria feito uma proposta de 300 mil euros para a compra do mesmo exemplar e acrescentava: “Esse montante destina-se à abertura de um fundo que tem por objetivo o restauro da valiosa biblioteca do Ateneu, parcialmente em risco devido à falta de verbas para a sua recuperação e manutenção.”
Não sei o que se passa com o edifício do Ateneu Comercial de Lisboa, que foi palácio, escola, ginásio, piscina e um espaço de arte e cultura. Sei que a Vogue Homes o quer transformar num projecto imobiliário residencial, certamente de luxo, e que está em curso a classificação pela Direção-Geral do Património Cultural.
Sei também que desde que as portas do Ateneu fecharam em 2012, a degradação é visível e as tintas dos grafittis foram tomando conta das suas paredes e algum do seu recheio está em parte incerta. É uma das inúmeras versões de um guião que eu e todos os portugueses preocupados com a preservação do património conhecem muito bem.
Acontece porém que o Ateneu é para mim muito mais do que património delapidado e saqueado. É uma memória viva dos meus 14, 15 anos. Não sei porque comecei a fazer ginástica no Ateneu, talvez tenha sido influenciado pelo meu tio materno que lá tirou o curso comercial e praticou luta greco-romana. O que é certo é que por lá andei a dar saltos no trampolim e a elevar-me na barra e nas argolas. E no verão passava tardes na piscina construída no jardim das traseiras, na altura descoberta e com uma vista magnífica.
Numa dessas tardes vivi o primeiro episódio trágico da minha vida. Olhei para o fundo da piscina e vi lá em baixo, imóvel, um dos meus colegas da ginástica e da natação. Mergulhámos, trouxemo-lo para a superfície, mas já estava morto. Durante muito tempo fui assombrado por aquela visão e só o tempo esfumou os contornos negros.
É claro que o desaparecimento do valioso exemplar de "Os Lusíadas" e do recheio do Ateneu, a degradação do edifício, não têm o dramatismo da morte do meu companheiro de juventude. Mas não pude deixar de pensar nela quando li a notícia da condenação do Ateneu e do seu património.
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