Capa do Binómio n.º 35 de 2 de Novembro de 1968 |
Outubro de 1968, vivia os meus primeiros dias no Instituto Superior Técnico.
Dias de aprendizagem num mundo totalmente novo, com uma disciplina menos rígida que o liceu e com novas personagens. Umas déspotas e distantes, como os professores catedráticos. Nas suas cátedras vitalícias, eram senhores absolutos. Tinham o poder soberano de modificar a matéria das aulas, os critérios de passagem, as classificações. Alguns até determinavam o modo de vestir dos alunos ou a forma de tirar apontamentos nas aulas, o modelo de dossier e papel, a cor da tinta, os sublinhados e as cores, o arranjo gráfico. No fim do ano, o caderno de apontamentos era mostrado ao professor e classificado!
Mas paredes meias com estes santuários do conservadorismo e do autoritarismo, o novo aluno (caloiro, em 68, era politicamente incorrecto) mergulhava num outro mundo, também novo, mas muito mais deslumbrante: a Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico ou AEIST.
A AEIST era o meu porto de abrigo, o local onde comprava as sebentas, estudava, comia, convivia, jogava xadrez e fazia desporto. E acima de tudo era o local onde frequentava um curso intensíssimo de iniciação à política, tomava um banho de imersão em ideologia no estado puro. Parecia que de repente o mundo se virava de pernas para o ar. E uma das peças dessa experiência era o Binómio, o boletim da AEIST. Uma publicação policopiada, com um arranjo gráfico rudimentar, mas que trazia o que nenhum outro jornal trazia: informação proibida fora das paredes da Associação.
Página 4 do n.º 35 de 2 de Novembro de 1968 |
Mas aqueles dias foram também de iniciação à poesia e à canção de protesto. Pela primeira vez vi José Afonso, que alguns ainda tratavam por “Dr. José Afonso, introdutor da música de carácter eminentemente social” e cujos espectáculos em salas de Lisboa eram muitas vezes cancelados por “motivos imprevistos”. Muito longe de poder imaginar que alguns anos mais tarde estaria na Marinha e o meu camarada Carlos Contreiras iria escolher uma canção de José Afonso para senha da Operação Viragem Histórica em 25 de Abril de 1974.
José Afonso era instrutor de judo na AEIST, um emprego solidário inventado pela AEIST porque estava impedido de ensinar, quer no ensino público quer no privado. Lembro-me bem das sessões de poesia e música em que participou e de, em algumas delas, ser contestado por elementos mais radicais da assistência!
Página 14 do n.º 35 de 2 de Novembro de 1968 |
A primeira foi o “Festival de Poesia e Canção Protesto I”, na acanhada cantina da AEIST. “Na parte de poesia e canção colaboraram estudantes que espontaneamente se ofereceram, além de José Afonso. A poesia foi de Manuel Alegre, Borges Coelho, José Régio e dos próprios alunos que as leram. As canções foram de Luís Cília, José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Joan Baez.”
E como o Binómio achou conveniente anotar no n.º 35 de 2 de Novembro de 1968, "houve grandes deficiências de organização. Não houve microfone nem luz no palco, além disso a cantina é um local que já não oferece espaço para tanta gente (assistiram cerca de mil pessoas).”
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