O miúdo teria uns treze ou catorze anos e a namorada, menos dois. Moravam no mesmo prédio em Lisboa, mas nas férias grandes iam ambos para casa dos avós, ele para Palhais e ela para Peniche. Durante mais de três meses não se encontravam porque os cinquenta quilómetros entre a serra e o mar eram uma barreira intransponível. Bem, quase intransponível, porque para um adolescente não há impossíveis.
Como a namorada ia fazer anos e há meses não a via, o miúdo decidiu que seria uma boa ocasião para lhe fazer uma surpresa. Depois de obter a autorização materna para a viagem, o que não foi fácil, e de convencer um amigo a fazer-lhe companhia, antes do nascer do sol do dia 3 de Setembro, o dia de aniversário da namorada, o miúdo e o amigo prepararam o farnel, montaram as bicicletas sem mudanças e fizeram-se à estrada. Conheciam bem o caminho até ao Bombarral, mas depois eram estradas que só tinham feito de carro. O maior obstáculo foi a subida até à Serra d'El-Rei, mas depois, não tardou muito, passaram pelo posto da GNR à entrada de Peniche (com algum medo porque o amigo não tinha carta para conduzir velocípedes) e bateram à porta da casa do Campo da Torre.
Foi uma enorme surpresa para todos, em especial para a menina que se preparava para sair com a família. Iam passar o dia fora e tivessem o miúdo e o amigo chegado uns minutos mais tarde, teriam batido com o nariz na porta e a viagem, tão bem planeada, teria sido um fiasco. Mas não, o objectivo foi plenamente atingido! É certo que não tiveram tempo para conversar, mas a troca de olhares e o sorriso de felicidade da namorada, compensou todo o esforço.
O miúdo e o amigo despediram-se, foram à praia dar um mergulho, comeram o farnel à sombra de um pinheiro (sim esta história é do tempo em que havia um pinhal em Peniche), dormiram uma sesta durante o pico do calor para retemperar forças e fizeram-se à estrada para os cinquenta quilómetros de regresso a Palhais.
Quase sessenta anos depois, o miúdo continua a festejar o aniversário da amorada, agora com as filhas Joana e Catarina e os oito netos. E sem precisar de fazer 100 quilómetros de bicicleta!
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* Segundo a nossa neta Maria, se duas pessoas se amam, são, obviamente, amorados e nós concordámos com ela. Não quisemos saber se a palavra podia ter outros significados, se podia ser sair da morada ou ter a cor da amora. Para a Maria e para nós o importante era o radical amor. E por isso, depois de tantos anos de o sermos, declarámo-nos finalmente amorados.
Que belo e emocionante texto !
ResponderEliminarLágrimas - não furtivas
- deslizaram ...
Razões? Deduzíveis.
Luís.
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E, desde já, formulo - com compreensível atraso - os meus parabéns à M.João, e ao seu amorado (novo e apropriado vocábulo que tentarei difundir, contrastando com a pérfida anglinvasão em curso!).
L.
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