domingo, 25 de fevereiro de 2018

O exosqueleto




Confesso que no liceu detestava Camões. Descontando o episódio da Ilha dos Amores, que o pensamento medíocre do Estado Novo mantinha afastado dos adolescentes para que não fossem contaminados pela moral pagã, a análise da poesia de Camões era uma tremenda seca. Todos os esquemas eram válidos para lutar contra a ditadura do programa de Português, personificada na pobre professora. A libertação veio com a opção de ciências e os caminhos das engenharias.

Alguns anos mais tarde aprendi a gostar da poesia de Camões. Primeiro timidamente com João Villaret e Amália, depois convictamente com José Mário Branco e, naturalmente, José Afonso. Até que há dias vi um teste de Português do meu neto. As perguntas sobre o soneto “Enquanto quis Fortuna que tivesse” trouxeram-me memórias com mais de cinquenta anos e voltei a sentir a mesma aversão.

Tal como eu, o meu neto tenta sobreviver à provação. Na luta contra as velhas e sempre iguais questões da professora, usa novas e mais sofisticadas artimanhas mas o objectivo é infelizmente o mesmo: libertar-se de Camões e da sua poesia!

Mudaram os tempos mas não mudaram as vontades. Apesar de todas as mudanças do Mundo, parece que o ensino nas nossas escolas tem um exosqueleto cultural que limita o crescimento. E ao contrário dos artrópodes, não tem a capacidade de o substituir, de mudar de forma e de se adaptar a novos ambientes e objectivos.

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