Ilustração de Susa Monteiro na crónica “O Pilinhas” de António Lobo Antunes na Visão |
As memórias do Liceu de Camões são como as cerejas, vêm umas agarradas a outras. São memórias de um reitor que controlava todas as acções dos alunos, no interior e no exterior do Liceu; era proibido permanecer frente ao Liceu, era proibido comprar coisas ao vendedor ambulante, era proibido correr, era proibido jogar à bola, era proibido brincar ao eixo ou com pedras, era proibido entrar no Liceu sem gravata, era proibido permanecer no jardim, era proibido trazer para o Liceu livros e revistas que não fossem de estudo, era proibido…
Todos os procedimentos eram definidos pelo reitor: a forma como se apanhava o autocarro, como se entrava e saía das salas de aula, como se circulava nas galerias, o tipo de vestuário que devia ser usado, a postura a ter no exterior do Liceu. Os processos disciplinares, que terminavam com o castigo do aluno, resultavam em regra de violações das regras estabelecidas pelo reitor.
No Liceu de Camões, onde tudo era controlado e vigiado, havia um médico pedófilo que dava aulas de Moral e assediava o Antunes e os putos mais inocentes e impreparados. E o reitor Joaquim Sérvulo Correia ordenava a abertura de um processo disciplinar com o seguinte despacho de 9 de Maio de 1965:
«Professor Secretário do Liceu de Camões;
Pelo professor de História, Dr. Pereira Miguel, foi entregue na Reitoria um exemplar da revista americana, em língua espanhola, “Life” cuja capa é construída por uma gravura representando uma artista de cinema quase nua. A revista foi tirada ao aluno (…), que a lia durante o funcionamento da aula, e foi trazida para o Liceu talvez pelo nº38, (…). Os factos, moralmente graves, tornam-se mais graves ainda por se tratar de uma turma frequentada também por alunas. Digne-se V. Exa. proceder a inquérito e organizar o consequente processo disciplinar.»
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