domingo, 25 de junho de 2017

Incêndios e Cidadania

18/06/2017



Nas últimas quatro décadas, uma cultura contra-natura promovida e posta em prática pelos que entendem que a espécie humana é apenas impulsionada pela ganância e o medo deixou a economia, e consequentemente a sociedade, de joelhos. Repetiram-nos até à exaustão os discursos de gente como Thatcher (não existe tal coisa como sociedade, há indivíduos, homens e mulheres, e há famílias!), dos seus seguidores ou da sua caricatura, o Gordon Gekko do filme Wall Street. Mas digam eles o que disserem, a espécie humana, tal como outros animais, sobreviveu em comunidades solidárias. A selecção natural produziu seres sociais e cooperantes que dependem uns dos outros para resistir, cujos cérebros estão em sintonia e os fazem sentir angústia com as angústias dos outros. É por isso que ao invés de colocar os indivíduos uns contra os outros, a sociedade precisa de enfatizar as dependências mútuas.
Que ao menos a tragédia nos ensine essa lição!


19/06/2017


E a natureza humana, não conta?
É certo e sabido. Ocorre uma tragédia, um desaire, um colapso e as comunicação e redes sociais são inundadas de depoimentos de especialistas que desfiam as razões e as culpas do sucedido. Se é um incêndio florestal, lá vem a monocultura, o desordenamento, a extinção de serviços, a desertificação rural. Se é uma crise financeira, lá vem a especulação mobiliária e imobiliária, os riscos irresponsáveis, a falta de regulação. Se é um ataque terrorista, lá vem a política de emigração, a falta de vigilância, o controlo de fronteiras, a restrição da liberdade. E sempre, seja qual for a calamidade, lá vem a incompetência, a ignorância, o compadrio dos governantes. Depois mudam os governantes, mudam os tempos, mas os problemas ocorrem de novo, exactamente pelas mesmas razões e com as mesmas culpas.
E eu, que até posso concordar com alguns diagnósticos, dou comigo a pensar: sendo o homem o actor comum em todas as ocorrências, será que o problema é mais profundo e pode estar relacionado com a forma como a sociedade moderna trata a natureza humana?
Dizem os cientistas que a nossa espécie de Homo sapiens se diferenciou das outras há pelo menos 200 mil anos. É muito tempo para que seja possível ignorar o resultado da selecção natural. Eu sei que os ideólogos sociais e políticos gostam de simplificar ou até negar a importância da natureza humana. Modelam a sociedade humana de acordo com os seus preconceitos e apresentam-na como uma projecção da sua vontade. E no último século, um número significativo desses ideólogos, deslumbrados com os avanços tecnológicos do último milénio, conseguiu impor o individualismo, o egoísmo, a competição, a ambição, o medo, a sobrevivência do forte à custa do fraco, como os únicos factores do progresso humano, como a essência da evolução da espécie humana. Há quem alvitre que essa evolução culminará na criação de uma nova espécie, a que até já chamaram de Homo deus.
Do que conheço sobre alguns exemplares do que poderá ser essa nova espécie, confesso não estar muito optimista quanto ao futuro longínquo. Mas estando eu apenas preocupado com o presente e o futuro próximo, prefiro observar a natureza da espécie que existiu pelo menos até há 199 mil anos e dos primatas que lhe são próximos. E concluo que a espécie humana é altamente social e cooperante, que procura estar em equilíbrio com a natureza, que protege os fracos, que não consegue viver apenas da competição, que não aceita e reage muito mal se é tratado de forma desigual relativamente a um seu semelhante, que se sente bem quando faz bem, que estabelece relações com base na empatia, na solidariedade e na reciprocidade, que age por contágio e imitação, que tende a ajudar e consolar o outro (quem tem crianças sabe que a melhor forma de obter a sua atenção é fingir chorar!). Claro que há o número mágico de 150 acima do qual as relações se complicam e por isso inventou as religiões que tentam estabelecer regras de vida em comunidades numerosas. O cristianismo viu o seu fundador executado e sofreu muitos desvios mas sobreviveu 2 mil anos e hoje tem um líder que é respeitado pela grande maioria.
Não estará na hora de avaliarmos os sistemas políticos e económicos em função da natureza humana e procurarmos os caminhos que a respeitem em vez de a violar?


20/06/2017

I




Só conheço uma forma de resolver um problema, seja ele grande ou pequeno. É estudá-lo até ao ínfimo detalhe, definir uma solução viável e trabalhar, trabalhar, trabalhar para a realizar. Sempre com a lucidez necessária para, em qualquer momento, corrigir o rumo ou, se for errado progredir, parar. No fim, discutir os resultados para os melhorar.
Tudo o resto é inútil e até prejudicial. Vindo de um ignorante, é patetice. Vindo de quem tem obrigação de conhecer o assunto, é falta de seriedade.

II

Perante o luto guardo normalmente silêncio. Por isso gostaria que o luto nacional fosse também de silêncio do cacarejar mediático.

III

Efeitos secundários do cacarejo mediático: queda de um avião espanhol que não caiu, morte de um piloto inglês que não morreu, censura de um responsável que não confirmou a queda do avião que não caiu. Se algum dos efeitos se agravar ou se detectar quaisquer outros não mencionados, evite a comunicação social e leia um livro.


22/06/2017

I


Ontem entretive-me a observar uma das ratazanas falantes que pululam no lixo televisivo nacional. Sem se preocupar muito com a opinião dos quatro comentadores convidados do programa, o pivô foi desfiando uma lista impressionante de escândalos, erros, maus negócios, etc., que, a propósito e a despropósito, associou à tragédia do incêndio de Pedrógão Grande.
A determinada altura mencionou o que para ele é uma característica natural dos políticos: a incompetência. E antes que um dos comentadores pudesse balbuciar a sua discordância, foi implacável: ─ O professor acha que políticos que estão à frente de Portugal desde o 25 de Abril são bons políticos, que não são incompetentes!?
Presumo que o indivíduo em observação entende que quem estava à frente de Portugal antes do 25 de Abril não era político, já que a competência deixava muito a desejar. Eu que me iniciei nestas questões de catástrofes e de tragédias sociais ainda como estudante, ao ajudar em Alhandra as vítimas das cheias de 25 para 26 de Novembro de 1967, sei bem que quem estava à frente de Portugal antes do 25 de Abril não primava pela capacidade de prever, evitar e combater os efeitos dos sinistros. A não ser que a competência fosse avaliada pela capacidade da censura alterar os títulos dos jornais de “centenas de mortos“ para “dezenas de mortos”, proibir referências ao cheiro dos corpos em decomposição, à miséria das vítimas, à ajuda dos estudantes, ao número total de mortos (o total oficial anunciado mais tarde foi de 470 mortos quando sabíamos que morreram mais de 700 pessoas), e por aí adiante. Sei também, porque ajudei a combater incêndios na zona do Oeste, que quem estava à frente de Portugal antes do 25 de Abril não tinha grande competência nessa área. A prevenção e o combate eram feitos pelas populações locais sem qualquer ajuda ou coordenação das autoridades governamentais.
É certo que com o 25 de Abril, por muito que custe ao individuo em observação, passámos a escolher livremente os responsáveis políticos e passaram a existir “políticos.” Claro que não são todos competentes e sérios como eu gostaria mas são o reflexo do que somos como povo e como cidadãos. Quanto melhor formos como cidadãos, melhor serão os políticos que escolhemos.
É por isso que estou disponível para trabalhar, intensa e continuadamente, para ajudar a eliminar o nosso défice cultural e de cidadania. E é também por isso que lutarei sempre contra os saudosistas do obscurantismo e os inimigos da democracia.


II



A tragédia dos incêndios de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra trouxe à memória dois camaradas e amigos que já partiram e de quem tenho muitas saudades: o Manuel Bouza Serrano e o Joaquim Leal Martins.
Regressei a Abril de 2003, quando o Leal Martins foi nomeado para dirigir o Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, resultante da fusão dos extintos Serviço Nacional de Protecção Civil, Serviço Nacional de Bombeiros e Comissão Especializada em Fogos Florestais. Bem ao jeito da tradição naval, um pequeno grupo de camaradas de outras guerras combinou um almoço em Carnaxide para lhe dar força e manifestar solidariedade.
E lembrei-me do Bouza Serrano, que conhecia por dentro o meio que chamávamos de “bombeiral”, dizer ao Leal Martins que lhe desejava toda a sorte do mundo mas que tinha aceitado uma missão muito difícil, senão mesmo impossível. De facto a nomeação do Leal Martins foi sempre contestada pelos barões do meio e não esperámos muito para ver confirmados os receios do Bouza Serrano.
Em Setembro, na sequência dos muitos e grandes incêndios que devastaram o país num Verão com condições meteorológicas excepcionais, provocando 21 mortos, a destruição de 425 726 hectares de floresta (8% da área florestal portuguesa) e a detenção de cerca de uma centena de pessoas suspeitas de fogo posto, o Leal Martins demitiu-se.
Catorze anos depois, vale a pena revisitar as discussões e os argumentos da época. As fragilidades do sistema de defesa da floresta contra incêndios mantêm-se, os discursos dos actores principais mantêm-se, os interesses nos negócios do “bombeiral” mantêm-se, o sacrifício das populações mantém-se, só faltam o Bouza Serrano e o Leal Martins para o almoço.


25/06/2017


Será um defeito de formação mas gostaria que a ministra falasse muito menos e tivesse dito apenas qualquer coisa como isto: Estive vários dias no local e já tenho uma noção do problema. Agora vou estudá-lo detalhadamente, com o apoio dos serviços do ministério, e dentro de dois meses apresentarei as conclusões a que chegar assim como um plano de acções correctivas.
Repetir o que ouviu de A, B e C, aparentemente sem filtro ou validação, esperar que uma comissão técnica especializada da Assembleia da República possa dar resposta a tudo, está muito longe do que entendo ser uma atitude responsável de um ministro.

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