─ Envelhecer é uma chatice, nunca pensei que fosse tão chato! ─ dizia ele, entre o revoltado e o decidido a não se deixar vencer pelos noventa e três anos de uma vida cheia.
Está difícil mas ele não desiste facilmente.
É certo que a falta de equilíbrio o obrigou a encostar a mota há quase um ano. Ele, que sempre gostou de motas, ─ Era uma boa maneira de ver as mães das miúdas! ─ resolveu deixar a 125 que conduzia com a carta de automóvel, isto depois de lhe terem tirado a de motociclos. E agora decidiu vender o automóvel. Não porque o sobrinho e muitas outras pessoas lhe dissessem que era perigoso conduzir com aquela idade, mas porque andava a subir muitos passeios e a bater nas paredes.
O sobrinho sabe que não foram só passeios e paredes, também bateu noutros carros, por sinal sempre de senhoras. Aliás as mulheres sempre foram centrais na sua vida. Apesar das cataratas, tem a certeza que as miúdas de hoje são muito mais giras que as do seu tempo. O sobrinho não sabe exactamente a que grupo etário se refere quando fala de miúdas mas desconfia que é muito amplo.
Mas o passo mais difícil foi reconhecer que não conseguia viver só no seu apartamento. Com muita relutância, decidiu finalmente ir para um lar de idosos. Diz que aquilo é tudo gente velha mas não teve alternativa. E o sobrinho foi ajudá-lo a levar o computador para a sua nova casa.
No caminho para o lar, contava ele: ─ Ontem houve uma final entre o Sporting de Braga e o Sporting de Lisboa e no fim ganhou o de Lisboa. Foi uma festa e hoje de manhã, uma empregada do lar, por acaso boa, apareceu com o cachecol do Sporting de Lisboa!
Quando pouco tempo depois o sobrinho conheceu a jovem do cachecol, não pôde deixar de sorrir e pensar: ─ Pois é, percebo porque diz que envelhecer é uma chatice. É muito chato ficar pelo acessório e perder o essencial.
Mas deixe lá, é certo que o mal dos outros não serve de consolação mas há gente muito mais nova, com metade ou um terço da sua idade, que se contenta com o acessório e perde o essencial da vida!
Muito bom. Esse senhor é um prato cheio. Tenho de combinar uma volta de mota com ele.
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