O Manel era um homem bom, humilde e generoso. É como sempre o vi, desde que nos conhecemos na Escola Naval. Fazíamos parte do tal grupo de cinquenta e um jovens que, vá-se lá saber porque estranhas razões, se juntaram num austero edifício na mata do Alfeite.
Para mim, aquele era um mundo novo. Sobre as matemáticas, as físicas e as políticas, tinha a experiência de dois anos de Técnico, da crise académica e das eleições de 69. Mas sobre as artes náuticas, era um zero absoluto. O mar para mim era praia; praia de manhã, à tarde e à noite.
Mas para o Manel, não. Ele era um veterano que conhecia bem os cantos da Escola Naval e ainda por cima dominava as lides náuticas. Podia tirar partido desse ascendente mas nunca o fez, antes pelo contrário. Preocupava-se até com a minha ignorância náutica e dizia-me: ─ O Penico tem de saber vela! Eu vou ensinar-te.
E assim fez. Numa tarde fria de inverno lá fomos levantar um Vaurien no CNOCA e fizémo‑nos ao rio. Velejámos até ao Terreiro do Paço, acenámos às turistas no Cais das Colunas, corria tudo às mil maravilhas. Até que subitamente o vento refrescou e as condições mudaram radicalmente. Tentámos rumar ao Alfeite mas perdemos o leme. Foi o cabo dos trabalhos!
Não vou contar os detalhes da nossa aventura mas digo que foi duro. Durante horas lutámos contra os elementos mas com a liderança do Manel, um leme improvisado e a ajuda da maré, lá conseguimos voltar ao CNOCA, já noite e totalmente enregelados. Lavámos e entregámos a embarcação, corremos para a Escola Naval, fardámo-nos e apresentámo-nos para o jantar na hora limite. E guardámos só para nós o que correu mal.
Não sei se fui capaz de satisfazer as expectativas do Manel quanto à aprendizagem da vela, julgo que não. Mas sei que foi com episódios como este que criei laços de amizade e camaradagem indestrutíveis com homens bons como o Manel. Laços que duram há quase meio século, desde que o tal grupo de jovens decidiu juntar-se num austero edifício na mata do Alfeite
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