O miúdo não tinha nada contra os polícias. Apesar do jogo do foge e esconde-te ao grito “Olha o Chui!” quando jogava a bola na rua com os amigos, não sentia qualquer razão para não gostar dos cívicos, gordos e com ar sério, que passavam pelas ruas do bairro.
Até que um dia, no regresso de um passeio dominical com os pais e a irmã no Fiat 600, um polícia sinaleiro, ali para os lados do Saldanha, mandou o pai encostar e parar o carro. Pediu os documentos, mirou-os e remirou-os, e disse ao pai que saísse do carro e o acompanhasse. Depois de uma longa conversa, o pai voltou com o polícia e pediu ao miúdo e à irmã que se encostassem para o polícia se sentar no banco traseiro, ao lado deles.
Depois de uma manobra complicada, o corpulento cívico lá conseguiu vencer a estreita passagem deixada pelo banco dianteiro e alapou-se em quase toda a largura do banco. O miúdo ainda tentou tirar a laranja que tinha ficado para trás mas não foi a tempo, o polícia aterrou pesadamente sobre o citrino e os irmãos só puderam olhar um para o outro e segurar o riso.
O pai explicou a inusitada boleia ao polícia. Não sabia que a carta de condução tinha data de validade, tinha caducado há um mês e iam à esquadra resolver o assunto. O polícia assegurou que era uma coisa simples e rápida mas depois de entrarem na esquadra, o pai já não voltou.
Para grande aflição da mãe e espanto dos miúdos, souberam depois que o pai ia ficar preso pelo crime grave de conduzir com uma carta fora do prazo de validade. Voltaram para casa de táxi e viveram horas dramáticas até que o pai foi libertado no dia seguinte, depois de uma noite passada numa espelunca sem condições.
A partir daquele dia o miúdo passou a olhar os polícias de maneira diferente. Sempre que passava por um deles, ria-se. Lembrava-se da laranja esborrachada e colada ao imenso rabo do polícia quando, após várias tentativas, conseguiu sair do banco traseiro do Fiat 600.
E assim se vingava da maldade que fizeram ao pai.