No início dos anos 60 integrei um grupo de jovens da igreja de São João de Deus, em Lisboa. Um grupo só de rapazes, como era próprio da época, que se identificava como “Cavaleiros do Santo Graal”.
Não me recordo das razões e circunstâncias da minha ligação a estes Cavaleiros mas duvido que fosse por motivações religiosas ou políticas. Para além do fascínio do nome, que associava ao universo das lendas medievais, julgo que terei sido atraído pela novidade e diversidade das actividades e iniciativas do grupo. Hoje sei o que eram estes grupos de juventude mas, na época, a integração nos Cavaleiros foi apenas uma das muitas experiências de um adolescente a descobrir o mundo e a aprender a vida.
De entre as várias actividades, aproveitávamos o auditório da igreja para realizar espectáculos onde fazíamos tudo: criávamos, programávamos, encenávamos, tocávamos, representávamos, sempre com o objectivo de cairmos nas boas graças das meninas, e das mães das meninas, que vinham assistir às nossas habilidades.
Em regra representávamos comédias mas um dia resolvemos mudar de registo e optámos pela peça “Twelve Angry Men,” de Reginald Rose. Inicialmente um guião escrito para um programa de televisão americana, foi depois adaptado para palco e, finalmente, para cinema, dele resultando o conhecido clássico de Sidney Lumet, estreado em 1957.
Para os mais jovens, digo que a peça não é mais do que a discussão entre doze jurados que se reúnem para decidir a absolvição ou a condenação à cadeira eléctrica de um jovem porto-riquenho acusado de ter esfaqueado mortalmente o próprio pai. O veredicto dos jurados deve ser unânime e, seja ele qual for, será adoptado irrevogavelmente pelo juiz. Na primeira votação, apenas um dos jurados vota pela inocência do jovem, não por estar convicto dela mas porque tem dúvidas sobre as provas e testemunhos apresentados pela acusação. Por falta de empenho da defesa, considera que não terão sido adequadamente refutados durante as audiências do julgamento. À medida que a discussão avança, o jurado número 8, cujo nome só conhecemos no fim da peça, chama a atenção para as inconsistências dos relatos das testemunhas e das provas e consegue que os outros admitam, um após outro, que o jovem pode estar inocente. Os onze jurados que votaram inicialmente culpado, mudam o sentido do voto nas sucessivas votações até à absolvição do jovem por unanimidade. À medida que repensam o voto, revelam os seus próprios traços de personalidade e mostram que a convicção inicial de culpabilidade se baseava mais nas suas experiências pessoais, nos seus preconceitos, nas suas concepções e narrativas da sociedade, nos estereótipos dos jovens latinos, negros ou marginalizados, e menos na avaliação dos factos concretos.
E foi assim que pegámos na tradução de Luís Galhardo (Filho), com o título de “12 Homens Fechados”, que tinha sido representada em 1959 no Teatro da Trindade por um elenco de luxo da Companhia Teatro Nacional Popular, e começámos a ensaiar com todo o entusiasmo. Sem termos consciência da sua importância, fomos assimilando princípios fundamentais para a construção de uma sociedade democrática: o princípio da presunção de inocência, o princípio “in dubio pro reo”, o princípio da equidade e do direito a um processo equitativo, a garantia do contraditório, o princípio da legalidade e o princípio da investigação e da verdade material. E assimilámos a defesa que o jurado número 11, migrante refugiado, faz da democracia.
Em tempos de censura e repressão, era óbvio que a iniciativa estava destinada ao fracasso. Não tardou que o pároco da igreja mandasse interromper os ensaios com uma justificação incompreensível para a maioria de nós: a peça era amoral e portanto não tinha interesse!
De facto não me recordo das razões e circunstâncias da minha aproximação aos Cavaleiros do Santo Graal. Mas sei que este episódio marcou o meu afastamento.
Não me recordo das razões e circunstâncias da minha ligação a estes Cavaleiros mas duvido que fosse por motivações religiosas ou políticas. Para além do fascínio do nome, que associava ao universo das lendas medievais, julgo que terei sido atraído pela novidade e diversidade das actividades e iniciativas do grupo. Hoje sei o que eram estes grupos de juventude mas, na época, a integração nos Cavaleiros foi apenas uma das muitas experiências de um adolescente a descobrir o mundo e a aprender a vida.
De entre as várias actividades, aproveitávamos o auditório da igreja para realizar espectáculos onde fazíamos tudo: criávamos, programávamos, encenávamos, tocávamos, representávamos, sempre com o objectivo de cairmos nas boas graças das meninas, e das mães das meninas, que vinham assistir às nossas habilidades.
Em regra representávamos comédias mas um dia resolvemos mudar de registo e optámos pela peça “Twelve Angry Men,” de Reginald Rose. Inicialmente um guião escrito para um programa de televisão americana, foi depois adaptado para palco e, finalmente, para cinema, dele resultando o conhecido clássico de Sidney Lumet, estreado em 1957.
Para os mais jovens, digo que a peça não é mais do que a discussão entre doze jurados que se reúnem para decidir a absolvição ou a condenação à cadeira eléctrica de um jovem porto-riquenho acusado de ter esfaqueado mortalmente o próprio pai. O veredicto dos jurados deve ser unânime e, seja ele qual for, será adoptado irrevogavelmente pelo juiz. Na primeira votação, apenas um dos jurados vota pela inocência do jovem, não por estar convicto dela mas porque tem dúvidas sobre as provas e testemunhos apresentados pela acusação. Por falta de empenho da defesa, considera que não terão sido adequadamente refutados durante as audiências do julgamento. À medida que a discussão avança, o jurado número 8, cujo nome só conhecemos no fim da peça, chama a atenção para as inconsistências dos relatos das testemunhas e das provas e consegue que os outros admitam, um após outro, que o jovem pode estar inocente. Os onze jurados que votaram inicialmente culpado, mudam o sentido do voto nas sucessivas votações até à absolvição do jovem por unanimidade. À medida que repensam o voto, revelam os seus próprios traços de personalidade e mostram que a convicção inicial de culpabilidade se baseava mais nas suas experiências pessoais, nos seus preconceitos, nas suas concepções e narrativas da sociedade, nos estereótipos dos jovens latinos, negros ou marginalizados, e menos na avaliação dos factos concretos.
E foi assim que pegámos na tradução de Luís Galhardo (Filho), com o título de “12 Homens Fechados”, que tinha sido representada em 1959 no Teatro da Trindade por um elenco de luxo da Companhia Teatro Nacional Popular, e começámos a ensaiar com todo o entusiasmo. Sem termos consciência da sua importância, fomos assimilando princípios fundamentais para a construção de uma sociedade democrática: o princípio da presunção de inocência, o princípio “in dubio pro reo”, o princípio da equidade e do direito a um processo equitativo, a garantia do contraditório, o princípio da legalidade e o princípio da investigação e da verdade material. E assimilámos a defesa que o jurado número 11, migrante refugiado, faz da democracia.
Em tempos de censura e repressão, era óbvio que a iniciativa estava destinada ao fracasso. Não tardou que o pároco da igreja mandasse interromper os ensaios com uma justificação incompreensível para a maioria de nós: a peça era amoral e portanto não tinha interesse!
De facto não me recordo das razões e circunstâncias da minha aproximação aos Cavaleiros do Santo Graal. Mas sei que este episódio marcou o meu afastamento.